Coletes Amarelos: outra forma de conceber a luta (entrevista – português e francês)

 

Por alguns Coletes Amarelos 
(dentre outras coisas)

 

1. Como surgiu o movimento Gillet jaunes?

O movimento dos Coletes Amarelos (gilets jaunes) começou na França em novembro, logo após o governo anunciar o aumento no preço dos combustíveis. Ele se espalhou muito rapidamente graças às redes sociais, onde muitos chamados para se manifestar, no dia 17 de novembro, apareceram por todo o país.

A primeira novidade do movimento é que ele não convocou as pessoas para se manifestarem nos centros das cidades, mas sim nas rotatórias próximas das cidades, com o objetivo de bloquear os pontos estratégicos da economia: depósitos de combustíveis, centros comerciais, grandes empresas, a maior parte situadas nas cidades médias situadas nos arredores das grandes cidades. É interessante notar a presença, desde o início, de uma verdadeira inteligência estratégica coletiva. E isso levando em consideração o fato do movimento não estar estruturado, ser completamente espontâneo e ter, em seu seio, muitas pessoas que vivem as primeiras manifestações de suas vidas.

As reivindicações se alargaram rapidamente em direção à reivindicações mais sociais: mais justiça social, reestabelecimento do imposto sobre as grandes fortunas (cortado por Macron), aumento do poder de compra e também mais democracia e representatividade da população. O aumento do preço dos combustíveis foi, no fim das contas, uma desculpa para contestar a política global do governo. Essa taxa do aumento do combustível vai ser rapidamente retirada pelo governo para tentar acalmar o movimento, no entanto, as manifestações não pararam. Elas tomaram outras formas, foram mais para os centros das cidades. Houveram chamados nacionais para ir à Paris onde manifestações enormes ocorreram no início de dezembro, afetando bairros que normalmente não são afetados, como Champs-Elysées e os bairros burgueses em volta. As lojas e os restaurantes de luxo foram o alvo das manifestações dos Coletes Amarelos.

O movimento possui também outra particularidade: o fato das manifestações aconteceram no sábado. Historicamente, na França, isso jamais ocorreu. Isso permitiu mobilizar mais pessoas e, ao mesmo tempo, ter um impacto importante na economia dos centros das cidades, onde as manifestações se desdobraram. Por exemplo, todos os sábados de dezembro, período de grandes vendas por conta do Natal, as lojas do centro da cidade e, às vezes, os centros comerciais de outras localidades, foram bloqueados.

2. O que há de novo neste movimento em relação às últimas grandes movimentações de resistência
 (ex.: o primeiro de maio de 2018, contra as reformas trabalhistas)?

A primeira particularidade do movimento é, como já dissemos, organizar-se fora de todo quadro institucional. Os primeiros chamados nasceram e foram amplamente difundidos nas redes sociais prescindindo completamente dos sindicatos e dos partidos políticos. O desafio face às organizações políticas tradicionais é um dos elementos essenciais da mobilização dos Coletes Amarelos. Os sindicatos, hoje, bem que tentam se inserir no movimento, mas sua capacidade de mobilização mantem-se marginal em relação às novas figuras públicas do movimento que apareceram no facebook ou nas rotatórias. Um outro elemento que ilustra o desafio colocado pelos Coletes Amarelos aos partidos políticos é o fracasso das tentativas para que se criem listas eleitoras «Coletes Amarelos» para as eleições europeias que acontecerão no mês de maio. A cada vez, os líderes presentes nessas listas renunciaram frente à pressão das ruas e rotatórias que recusam-se categoricamente a entrar no jogo eleitoral e rejeitam as instituições governamentais, sejam elas europeias ou nacionais.

Isso permite introduzir uma faceta nova e particular dos Coletes Amarelos. Como se disse, a primeira faísca que despertou o movimento foi a taxa sobre o combustível e outras reivindicações que foram incluídas posteriormente. Mas fica nítido que essa mobilização não se dá contra uma medida particular, mas que ela cristaliza-se contra uma política governamental e contra um homem, Emmanuel Macron, que, por si só, simboliza toda a injustiça social e o desprezo pelas classes mais modestas. Se a classe «legalista» do movimento tenta, de muitas formas, posicionar suas reivindicações no centro do movimento, tem-se a impressão que ela vai muito mal nessa tentativa de prevalecer e que a vontade geral é atingir a economia e as representações do poder, em todos os lugares que for possível, enquanto o governo ainda estiver de pé.

Um último ponto a ser destacado é acerca da composição mesma do movimento. Muitos dos Coletes Amarelos vêm de áreas rurais ou das cidades médias1, locais que não são as zonas de contestação tradicionais. E como o movimento não é centrado em uma reivindicação particular, mas em uma política global, ele atravessa as clivagens sociais e profissionais usuais e, assim, reagrupa as pessoas de culturas políticas e de práticas diferentes, muitas pessoas vivendo sua primeira mobilização. Nesse sentido, é interessante olhar para a evolução dos discursos dos Coletes Amarelos. Durante suas primeiras horas, o movimento quis exibir de modo explícito seu apolitismo. Aos poucos, os discursos evoluíram e o movimento deixou de se dizer apolítico, afirmando-se, voluntariamente, apartidário. Através dessa transformação semântica, pode-se ver uma maneira pela qual se assume que as ações de bloqueio, as construções de acampamentos nas rotatórias são modos de fazer política. Modos novos, centrados nos encontros entre as pessoas e fora de toda tentativa de estruturação no seio dos partidos políticos.

Nós já respondemos a questão, mas há elementos a serem adicionados e enfatizados. Trata-se de um movimento que nasceu e que perdura sem nenhum recurso sindical ou político. Algo que nunca existiu, até agora, na França. Além disso, as primeiras ações não foram manifestações, mas foram bloqueios massivos e espontâneos das rotatórias e, logo, da economia, bloqueios dos fluxos de circulação. As figuras públicas que emergiram durante o movimento, o fizeram seja no facebook ou diretamente nas rotatórias, nunca nos quadros de negociação com o Estado. Enfim, as reivindicações, desde o início, são muito amplas, mas catalisam nitidamente uma rejeição em relação às instituições e a uma certa injustiça social que se encarna diretamente na figura de Macron.

1Muitas dessas cidades configuram-se como cidades-dormitórios, tendo em vista o grande número de habitantes que trabalham em uma cidade maior, central.

 

 

3. No Brasil, por parte de uma grande parcela da esquerda, 
há uma imagem muito negativa dos Coletes Amarelos
 enquanto um movimento de direita. 
Como a esquerda tradicional vê  os Coletes Amarelos na França? 
Por que esse momento pode ser percebido como de direita, 
no Brasil ou na França?

O movimento dos coletes amarelos foi percebido como um movimento de direita sobretudo nas primeiras semanas, basicamente por causa da natureza de suas reivindicações. Apontando diretamente o aumento das taxas (em primeiro lugar, sobre os combustíveis, mas não unicamente) como responsável pela baixa do poder de compra dos francesas, as reivindicações se aproximam daquelas que são tradicionalmente levantadas pelo patronato, os agricultores e os caminhoneiros, que estão geralmente associados ao eleitorado de direita. Contra sua intenção, o movimento também sofreu por ter sido feita uma associação um pouco rápida entre eles e dois movimentos de contestação reacionários ancorados à direita. O primeiro, o movimento Poujade, de comerciantes e artesãos nos anos 50, era contra o sistema fiscal e os controles que os pequenos comerciantes deveriam sofrer e atuava através ataques violentos contra o governo, com um teor antissemita.

O segundo, mais recente, é o movimento dos gorros vermelhos, que se aproxima dos Coletes Amarelos tanto por sua iconografia (uma peça de roupa colorida), como por suas reivindicações iniciais (retirada de uma taxa «ambiental»), levantadas pelo setor agroindustrial dos agricultores bretões e que resultou numa redução da regulação ambiental sobre o indústria de suínos.

No entanto, com exceção da crítica inicial ao aumento das tarifas, a aproximação entre esses dois movimentos com aquele dos jalecos amarelos não se sustenta. Ali onde o poujadismo e os toucas vermelhas defendem unicamente os interesses econômicos de uma corporação (comercial e agrícola), os jalecos amarelos, lembremos, exprimem a raiva de uma parte da população muito diversificada, de viver a cada dia um pouco mais na precariedade e deslocam as reivindicações sobre um plano político, reivindicando mais espaço no debate político.

Podemos ver nessa tentativa de ataque do movimento uma forma de desprezo de classe assumido por parte da esquerda, que não conseguiu se situar em um movimento social que desafia os quadros de análise clássicos.

É interessante ver que hoje em dia, com a persistência do movimento e a emergência de reivindicações cidadãs (como o referendo popular), essas críticas se calaram amplamente no discurso dos políticos, ainda que uma parte da população, confortada por certos tratamentos midiáticos do movimento, continua a pensar que os jalecos amarelos são racistas, homofóbicos, que não entendem porque se manifestam.

4. Por que vocês e outras forças políticas consideradas
 à esquerda avaliaram necessária a participação, 
o confronto e, até mesmo, 
a confusão com forças de direita? 
O que foi possível aprender com isso?

Se, num primeiro momento, as forças revolucionárias estavam bastante desconfiadas sobre a pertinência desse movimento, nossa curiosidade foi despertada, ao mesmo tempo, pela eficácia da estratégia dos bloqueios e pela participação de uma grande parcela da população. Se nossa hipótese política é a de revelar a guerra civil em curso, isso passa obrigatoriamente por um confronto com um amplo espectro de posições neste contexto insurrecional e, em consequência, também o enfrentamento das posições reacionárias. Se ideias racistas foram expressas de maneira desinibida nos primeiros dias, a afirmação quase unânime dos Coletes Amarelos de que aquilo que nos unia estava em outro lugar rapidamente fez calar ou ir embora aqueles que poderiam sustentar esse tipo de discurso.

Nós nunca nos confundimos com posições inimigas, mas tentamos fazer viver as ideias ou práticas que são as nossas. Assim, por exemplo, pudemos ao mesmo tempo, começar a construção de barracas em algumas rotatórias, democratizar a utilização do Signal para comunicação, levar material adequado para os bloqueios, propor assembleias para nos organizar, documentar o movimento através de artigos e vídeos, levar técnicas de defesa coletiva nas manifestações e frente à justiça. O único critério que torna essas propostas válidas ou não é o bom senso dentro da situação, algo ignorado pela leitura partidária habitual. Cada discussão nesse movimento é um campo de batalhas quanto ao qual nunca se pode predizer o resultado, para o melhor ou para o pior.

5. E as periferias? 
Por muito tempo ouvimos falar da repressão ininterrupta por parte dos governos e dos levantes na periferia. 
Como está a situação desses bairros populares durante o governo Macron? 
Há algum convergência entre suas lutas e os movimentos atuais?

Em relação às periferias, o governo Macron implementou medidas pela educação: um esforço bem recebido pelas educadoras e educadores é a redução do número de estudantes nas classes da escola primária para consolidar a aprendizagem de base (leitura, escrita e cálculo, principalmente). Mas uma medida como essa não se implementa sem seus vasos comunicantes. Os meios alocados para que se pudesse efetivar tal redução foram tomados, notadamente, das áreas rurais, zonas particularmente precarizadas em matéria de educação, algo que explica também o movimento Coletes Amarelos atual. Além disso, essas medidas então muito aquém da necessidade que a situação atual das periferias demanda. De fato, as políticas de acolhimento aos imigrantes são imprecisas – imprecisão voluntária, já que, justamente, não se quer acolhê-los – são nas periferias que são recebidos e acolhidos, pelas associações, pelas instituições etc. que estão à beira de explodir. As problemáticas sociais estão muito mais presentes do que estavam até então. Os bairros da periferia se guetizam.

Acerca das convergências: elas estão longe de acontecerem. No início, o movimento Coletes Amarelos estava longe das preocupações da periferia: a questão das taxas de combustível, os veículos, o racismo ainda forte nesse início, a questão do poder de compra… Tentou-se construir pontes: encontrar as associações, panfletar nos bairros periféricos etc. Mas o militantismo clássico já não funciona, há muito tempo, nas periferias francesas: muito frequentemente levado à frente por brancos, conhecedores das técnicas políticas e longe daquilo que se vive localmente.

No entanto, o apoio ao movimento é generalizado na periferia. Mas trata-se de um apoio à distância, com exceção de algumas associações militantes, notadamente aquelas que lutam contra a violência policial. Por exemplo, o comitê Vérité et Justice pour Adama1 (Verdade e Justiça para Adama) tem feito convocações, desde do último dezembro, para que as pessoas se juntem aos Coletes Amarelos com essas palavras: “O Comitê Adama convoca à manifestação no primeiro de dezembro, sábado, ao lado dos Coletes Amarelos. Os bairros populares são confrontados com as mesmas problemáticas sociais que os territórios rurais ou periurbanos – ditos “periféricos” – afetados pela política ultra liberal de Macron”.

1No dia 19 de julho de 2016, um homem jovem de 24 anos, Adama Traoré, morre em um posto policial de um balieue parisiense. Um comitê é em seguida criado para chegar à verdade sobre sua morte, oficialmente considerada natural.

 

6. Digamos que o movimento Coletes Amarelos, por qualquer motivo, deixe de existir. 
O que ele terá produzido ou mudado na vida de vocês e de outras pessoas que participam? 
Pensamos nos aposentados, por exemplo, que participam ativamente. 
E o que vocês pensam que o movimento terá mudado no ambiente político geral na França?

A primeira coisa é uma forma de conceber a luta: o movimento Coletes Amarelos não parte dos meios políticos/militantes/de esquerda tradicionais, ele não segue suas regras e não está muito preocupado com seus códigos. Trata-se de se confrontar com um mundo que não tem os mesmos referenciais e para quem se organizar politicamente é, então, algo completa e unicamente concreto. É também abandonar a pureza da luta revolucionária. E compor com desacordos bem maiores. Enquanto tínhamos o hábito, localmente, de ser a única força política a romper com as antigas práticas para mudar as coisas nos movimentos sociais, finalmente nós mesmos ficamos impressionados. No que se refere à vida de outras pessoas, é difícil falar por elas: o que é certo é que vimos práticas de solidariedade transformar os hábitos de cada um, vimos linhas de separação política serem ultrapassadas e que, para muitos, o sentimento que derivou daí foi que pudemos retomar a palavra. Por exemplo:

  • Não é mais possível de deixar um Colete Amarelo ser preso numa manifestação;

  • Redes foram criadas para buscar uma solução para os problemas encontrados por uns e outros;

  • Várias “vaquinhas” foram criadas para fazer cartazes, folhetos, mas também para apoiar os Coletes Amarelos que tinham que pagar fiança etc.;

  • Um apoio moral e psicológico, uma atenção a cada um aconteceu naturalmente, as dificuldades de cada situação são levadas em conta.

Os encontros nas rotatórias, nas assembleias, são verdadeiros encontros, com um lado “tribo” que criou novos enfrentamentos, mas, em todos os casos, a sensação é de não mais estar só. O que muda no ambiente político mais amplo é que as instituições políticas foram verdadeiramente desestabilizadas e a fé que lhes é atribuída quase desapareceu. A horizontalidade das tomadas de decisão avançou amplamente.

7. O que vocês pensam sobre as reações governamentais recentes frente do movimento dos Coletes Amarelos, 
como a chamada “lei anti-vândalos” e o “grande debate nacional”?

O grande grande debate nacional elaborado pelo governo foi uma estratégia para ganhar tempo diante do maior movimento social, da maior ofensiva desde maio de 68. Eles esperaram que o movimento perdesse força com o tempo, uma vez que nenhuma das poucas propostas feitas pelo governo conseguiram acalmar os Coletes Amarelos. O grande debate foi, assim, um meio para Macron retomar a palavra nas mídias, ocupar o espaço, fazer campanha para as eleições europeias que estavam chegando. As regras do grande debate, seus temas, foram ditados pelo governo: tentativa de pacificar o movimento social que, entretanto, não funcionou.

A “lei anti-vândalos” é uma lei que restringe o direito de se manifestar com interdições administrativas. Isso significa que não passa por uma decisão judicial, mas é a polícia que tem o poder de proibir as pessoas de se manifestar. A lei proíbe também o uso de máscara e condenações extremamente pesadas são pronunciadas se as pessoas são presas durante as manifestações.

Com essa nova lei, que foi muito criticada, o Estado tentou responder de maneira securitária à radicalização do movimento, que passou de um movimento pacifista nos primeiros dias a um movimento que assume plenamente o confronto com o Estado e convoca abertamente à insurreição.

Porém, a tentativa do governo com a lei anti-vândalos teve o efeito inverso: ela contribuiu para aumentar a tensão. Os Coletes Amarelos a entenderam como uma lei liberticida. A manifestação nacional do dia 16 de março em Paris foi a demonstração de uma resposta: foi uma das maiores e mais ofensivas desde o início do movimento. E ela foi realizada no dia do fim do grande debate, como uma demonstração de força.

Todas as imagens foram retiradas do site: https://lundi.am/

 

 

 

 

 

Gilets Jaunes: autre façon de concevoir la lutte

par quelques gilets jaunes (entre autres choses)

 

1 – Comment le mouvement des Gilets Jaunes a commencé?

Le mouvement des gilets jaunes à commencé en France en novembre suite à l’annonce du gouvernenemnt d’augmenter le prix du carburant. Il s’est répandu très vite grace aux réseaux sociaux où plusieurs appels à manifester dans tout le pays apparaissent pour la date du 17 novembre.

La première nouveauté du mouvement est qu’il n’appelle pas à manifester dans les centres villes mais sur les ronds-points proches des villes pour bloquer des points stratégiques de l’économie: dépôts pétroliers, centres commerciaux, grandes entreprises, la plupart du temps situés dans des zones péripheriques. On remarque, dès le début, une vraie intelligence stratégique collective, et ce, malgré le fait qu’il ne soit pas structuré et qu’il soit complètement spontané, avec en son sein beaucoup de gens qui vivent les premières manifestations de leur vie.

Les revendications s’élargissent très rapidement à des revendications plus sociales: davantage de justice sociale, rétablissement de l’ISF ( impostos para os mais ricos qui foi retirado pelo Macron), hausse du pouvoir d’achat et aussi plus de démocratie, de reprensentativité de la population. L’augmentation du prix du carburant n’est finalement qu’une excuse pour contester une politique globale du gouvernement. D’ailleurs cette taxe va être très vite retirée par le gouvernement pour essayer de calmer le jeu et les manifestations ne se sont pas arrêtées pour autant. Elle ont pris d’autres formes, sont entrées davantage dans le centre ville. Il y a eu des appels nationaux à aller à Paris où d’énormes manifestations ont lieu début décembre, touchant des quartiers qui n’ont pas l’habitude d’être touchés, comme sur les Champs-Elysées et les quartiers bourgeois qui sont autour. Ce sont les magasins et restaurants de luxe qui vont être la cible des manifestants gilets jaunes.

Le mouvement a aussi une autre particuliarité: le fait que les manifestations aient lieu le samedi, ce qui historiquement en France n’était jamais arrivé, permet à la fois de mobiliser davantage de monde, mais aussi d’avoir un impact important sur l’économie des centres villes, là où les manifestations se déroulent. Pour exemple, tous les samedis de décembre, période du gros chiffre d’affaire lié à Noël, les magasins du centre-ville et parfois des centres commerciaux à l’extérieur, ont été bloqués.

2) Quoi de nouveau dans le mouvement des Gilets Jaunes par rapport aux derniers grands mouvements de résistance (ex.: 1er mai 2018)?

Nous l’avons déjà évoqué, mais la première particularité du mouvement est de s’être organisé en-dehors de tout cadre institutionnel. Les premiers appels sont nés et ont largement été diffusés sur les réseaux sociaux en se passant complètement des syndicats ou des partis politiques. La défiance face aux organisations politiques traditionnelles est d’ailleurs un des éléments essentiel de la mobilisation des gilets jaunes. Les syndicats essayent bien aujourd’hui de se greffer au mouvement mais leur capacité de mobilisation reste marginale par rapport à aux nouvelles figures publiques du mouvement qui sont apparues sur facebook ou sur les ronds-points. Un autre élément qui illustre la défiance des gilets jaunes vis-à-vis des partis politiques est l’échec des quelques tentatives qui ont été faites de créer des listes électorales « gilets jaunes » pour les élections européennes qui auront lieu au mois de mai. A chaque fois, les leaders de ces listes ont renoncé face à la pression de la rue et des ronds-points qui refusent catégoriquement de rentrer dans le jeu éléctoral et rejettent les institutions gouvernementales, qu’elles soient européennes ou nationales.

Cela permet d’introduire une nouvelle facette particulière des gilets jaunes. Comme on l’a dit, la première étincelle qui a déclenché le mouvement a été la taxe sur le carburant et d’autres revendications s’y sont greffées par la suite. Pour autant, il est clair que cette mobilisation ne s’est pas faite contre une mesure particulière mais qu’elle s’est cristallisée contre une politique gouvernementale et contre un homme, Emmanuel Macron qui symbolise à lui seul toute l’injustice sociale et le mépris des classes les plus modestes. Si la partie citoyenniste du mouvement essaye tant bien que mal de mettre les revendications au centre du mouvement, on a quand même l’impression qu’elle a du mal à s’imposer et que la volonté générale reste de mettre à mal l’économie et les représentations du pouvoir partout où c’est possible, tant que le gouvernement tient encore debout.

Un dernier point à mettre en avant est dans la composition même du mouvement. De nombreux gilets jaunes viennent de zones rurales ou de la périphérie des villes qui ne sont traditionnellement pas des zones de contestation. Et comme le mouvement n’est pas centré sur une revendication particulère mais sur une politique globale, il traverse les clivages sociaux ou professionnels usuels et regroupe des personnes de cultures politiques et de pratiques différentes, beaucoup vivant là leur première mobilisation. A ce titre, il est intéressant de regarder l’évolution des discours des gilets jaunes. A ses premières heures, le mouvement souhaitait afficher clairement son apolitisme. Au fur et à mesure, les discours ont évolué et le mouvement ne se qualifie plus du tout d’apolitique mais plus volontiers d’apartisan. A travers cette transformation sémantique, on peut voir une manière d’assumer que les actions de blocage, les construction de cabanes sur les rond-points constituent bien une manière de faire de la politique. Mais d’une façon nouvelle, centrée sur les points de rencontre entre les gens et en-dehors de toute tentative de structuration au sein de partis politiques.

Nous avons déjà un peu répondu, mais il y a des éléments à ajouter. D’abord, c’est un mouvement qui est né et a perduré en dehors de tout appel syndical ou politique. Ce qui n’avait jamais existé jusque là en France.

Par ailleurs, les premières actions n’ont pas été des manifestations, mais spontanément des blocages massifs des rond-points et donc de l’économie, des flux de circulation.

Les figures publiques qui ont emérgé pendans le mouvement sont apparues soit sur Facebook soit directement sur les ronds-points mais jamais dans le cadre de négociation avec l’Etat.

Enfin, Les revendications dès le départ étaient très larges, mais catalysaient clairement un rejet des institutions et une sorte d’injustice sociale qui s’incarne directement dans la figure de Macron.

3) Au Brésil, une grande partie de la gauche voit le mouvement des Gilets Jaunes de façon très négative, en tant qu’un mouvement de droite. Comment la gauche traditionnelle voit-elle les Gilets Jaunes en France? Pourquoi ce mouvement peut être perçu comme de droite, au Brésil ou en France?

Le mouvement des gilets jaunes a surtout été perçu comme un mouvement de droite dans ses premières semaines, essentiellement à cause de la nature de ses revendications. En visant directement les hausses de taxes (en premier lieu celle sur le carburant mais pas uniquement) comme responsables de la baisse du pouvoir d’achat des français, les revendications rejoignent celles qui sont traditionnellement portées par le patronat, les agriculteurs ou les routiers qui sont généralement associés à l’éléctorat de droite. Malgré lui, le mouvement a également souffert d’un rapprochement un peu rapide avec deux mouvements de contestation réactionnaires ancrés à droite. Le premier, le mouvement Poujade, porté par les commerçants et les artisans dans les années 50, fustigeait la fiscalité et les contrôles que devaient subir les petits commerçants avec des attaques violentes envers le gouvernement et aux relents antisémites.

Le deuxième, plus récent, est le mouvement des bonnets rouges qui se rapproche des gilets jaunes aussi bien par son iconographie (le vêtement coloré) que par ses revendications initiales (retrait d’une taxe « environnementale »), portées par la frange agro-industrielle des agriculteurs bretons et qui ont débouché sur un allégement des contraintes environnementales pesant sur l’industrie du porc.

Pourtant, mis à part la critique initiale des taxes, le rapprochement de ces deux mouvements avec celui des gilets jaunes ne tient pas. Là où le poujadisme et les bonnets rouges défendent uniquement es intérêts économiques d’une corporation (marchande et agricole), les gilets jaunes, rappelons-le, expriment la colère d’une partie de la population très diversifiée, de vivre toujours un peu plus dans la précarité et déplacent les revendications sur un plan politique en réclamant plus de place dans le débat politique.

On peut voir dans cette tentative d’attaque du mouvement une forme de mépris de classe portée par une partie de la gauche qui n’a pas réussi à se situer dans un mouvement social qui bouscule les cadres d’analyses classiques.

Il est intéressant de voir qu’aujourd’hui, avec la persistence du mouvement et l’émergence de revendications citoyennes (comme le référendum populaire), ces critiques se sont largement tues dans les discours des politiques même si une partie de la population, confortée par certains traitements médiatiques du mouvement, continue à penser que les gilets jaunes sont des racistes, homophobes qui ne comprennent pas pourquoi ils manifestent.

4) Pourquoi vous (et d’autres forces politiques plutôt de gauche) avez trouvé nécessaire de participer aux mobilisations des Gilets Jaunes, de confronter les forces de droite et même de se mêler ou de se confondre avec eux? Qu’avez vous appris avec ce choix?

Si les forces révolutionnaires étaient plutôt mitigées sur la pertinence de ce mouvement dans un premier temps, c’est à la fois l’efficacité de la stratégie de blocage et la participation d’une large partie de la population qui ont éveillé notre curiosité. Si notre hypothèse politique est de révéler la guerre civile en cours cela passe obligatoirement par une confrontation avec un large spectre de positions, dans ce contexte insurrectionnel, et par conséquent aussi des positions réactionnaires. Si des idées racistes se sont exprimées de manière décomplexée dans les premiers jours, l’affirmation quasi unanime des Gilets Jaunes que ce qui nous unissait était ailleurs a rapidement fait taire ou fait partir ceux qui pouvaient porter ce type de discours.

Nous ne nous sommes jamais confondus avec des positions enemies mais avons essayé de faire vivre des idées ou des pratiques qui sont les notres. Ainsi on a par exemple pu à la fois initier la construcion de cabanes sur certains ronds-points, démocratiser l’utilisation de Signal pour communiquer, amener du matériel adéquat pour les blocages, proposer des assemblées pour s’organiser, documenter le mouvement à travers différents articles et vidéos, apporter des techniques de défense collective en manifestation et face à la justice. Le seul critère qui rend ces propositions valides ou pas est le bon sens dans la situation, épargné par la lecture partisane habituelle.

Chaque discussion dans ce mouvement est un champ de bataille dont on ne peut jamais prédire l’issue, pour le meilleur, comme pour le pire.

5) Et les banlieues? Pendant longtemps nous avons entendu parler de la répression incessante sur les soulèvements de la banlieue par différents gouvernements. Quelle est la situation de ces quartiers populaires sous le gouvernement Macron? Y-a-t-il des convergences entre les luttes de la banlieue et celle des Gilets Jaunes?

Par rapport aux banlieues, le gouvernement Macron a mis en place des mesures pour l’éducation : un effort salué par les enseignants est la réduction des effectifs dans les premières classes de l’école primaire pour consolider les apprentissages de bases (lecture, écriture, calcul, principalement). Mais une mesure comme celle-ci ne va pas sans son vase communicant. Les moyens alloués pour ces effectifs réduits ont été pris dans les campagnes notamment, zones particulièrement sinistrées en matière d’éducation, ce qui explique aussi le mouvement Gilets Jaunes actuel. Et ces mesures sont bien en-deçà de ce que la situation actuelle des banlieues nécessiterait. En effet, les politiques d’accueil des migrants étant dans le flou général – volontaire, pour ne pas avoir à les accueillir justement – c’est dans les banlieues qu’ils sont logés et « pris en charge », par les associations, par les institutions, etc. Qui sont au bord de l’explosion. Les problématiques sociales sont bien plus présentes encore qu’elles ne l’étaient jusque là. Les quartiers se ghettoïsent.

Pour la convergence, elle est loin d’être là. Au début, le mouvement Gilets Jaunes étaient loin des préoccupations des banlieues : la question des taxes sur l’essence, les véhicules, le racisme encore fort au début, la question du pouvoir d’achat… Des ponts ont été tentés, rencontrer les associations, tracter dans les quartiers, etc. Mais le militantisme classique ne fonctionne plus depuis longtemps dans les banlieues françaises. Trop souvent porté par des blancs, rompus aux techniques politiciennes, et loin de ce qui se vit sur place.

Pour autant, le soutien au mouvement est plutôt général en banlieue. Mais un soutien de loin, sauf de la part de quelques associations militantes, notamment celles qui luttent contre les violences policières.

Par exemple, le comité Vérité et Justice pour Adama1 appelait dès le 1er décembre à rejoindre les manifestations des Gilets Jaunes avec ces mots : « Le Comité Adama appelle à manifester samedi 1er décembre aux cotés des gilets jaunes. Les quartiers populaires sont confrontés aux mêmes problématiques sociales que les territoires ruraux ou périurbains – dits “périphériques” – touchés par la politique ultra libérale de Macron. »

1Le 19 juillet 2016, un jeune homme de 24 ans, Adama Traoré, décède dans une gendarmerie de banlieue parisienne. Un comité est ensuite créé pour obtenir la vérité sur sa mort, qui est reconnue officiellement comme naturelle.

 

6) Disons que le mouvement des Gilets Jaunes, par n’importe qu’elle raison, cesse d’exister. Qu’aurait-il produit ou changé dans votre vie et dans la vie d’autres personnes (comme les retraités, par exemple) qu’y participent? Et que pensez-vous qu’il aura changé dans l’environnement politique plus large en France?

La première chose c’est une façon de concevoir la lutte : le mouvement Gilets Jaunes ne part pas des milieux politiques/militants/de gauche traditionnels, il ne suit pas ses règles et se fout un peu des codes. C’est se confronter à un monde qui n’a pas les mêmes références et pour qui s’organiser politiquement est d’un coup complètement et uniquement concret. C’est aussi abandonner la pureté de la lutte révolutionnaire. Et composer avec des désaccords bien plus grands. Alors qu’on avait l’habitude, localement, d’être la seule force politique à faire bouger les lignes dans les mouvements sociaux, on a finalement été nous-mêmes bouleversés.

Pour ce qui est de la vie d’autres personnes, c’est difficile de prendre la parole pour eux : ce qui est sûr c’est qu’on a vu des pratiques de solidarité bousculer les habitudes de chacun, que des lignes de fracture politique ont été dépassées et que pour beaucoup, le sentiment qui s’est dégagé c’est qu’on a pu reprendre la parole. Par exemple :

  • il n’est plus possible de laisser un gilet jaune se faire arrêter en manifestation

  • des réseaux se sont créés qui cherchent une solution aux problèmes rencontrés par les uns et les autres

  • des cagnottes multiples ont été organisées, pour faire des affiches, des tracts, mais aussi pour soutenir des Gilets Jaunes qui avaient des amendes, etc.

  • un soutien moral et psychologique, une attention à chacun s’est mise en place naturellement, les difficultés de chaque situation sont prises en compte.

Les rencontres sur les rond-points, dans les assemblées, sont de vraies rencontres, avec un côté clan qui a pu créer de nouveaux affrontements, mais en tous cas la sensation de ne plus être seul.

Ce qui change dans l’environnement politique plus large c’est que les institutions politiques ont été vraiment ébranlées, et la foi qui leur était accordée a quasiment disparu. Largement, l’horizontalité des prises de décision est mise en avant.

7) Que pensez-vous des réactions gouvernementales récentes au mouvement des Gilets Jaunes, tel comme la dite “loi anticasseurs” et le “grand débat national”?

Le grand débat national voulu par le gouvernement a été une stratégie pour gagner du temps face au mouvement social le plus grand, le plus offensif depuis mai 68. Ils ont espéré que le mouvement s’essoufle avec le temps puisqu’aucune des maigres propositions faites par le gouvernement ne parvenait à calmer les gilets jaunes. Le grand débat était aussi un moyen pour Macron de reprendre la parole dans les médias, occuper l’espace, faire campagne pour les élections européennes qui arrivent. Les règles du grand débat, ses thèmes, ont été dictés par le gouvernement : une tentative de pacifier le mouvement social, qui n’a cependant absolument pas fonctionné.

La « loi anticasseurs » est une loi qui restreint le droit de manifester avec des interdictions administratives de manifester. Ce que ça signifie, c’est que cela ne passe pas par une décision de justice mais que c’est la police qui a le pouvoir d’interdire les personnes de manifester, la loi interdit aussi de se masquer le visage et des condamnations plus lourdes sont pronocées si les personnes sont arrêtées lors des manifestations.

Avec cette nouvelle loi très critiquée, l’Etat essaie de répondre de façon sécuritaire à la radicalisation du mouvement qui est passé d’un mouvement pacifiste dans les premier jours à un mouvement qui assume pleinement la confrontation avec l’Etat et appelle ouvertement à l’insurrection.

Pour autant la tentative du gourvenement avec la loi anticasseur a eu l’effet inverse : elle a contribué à faire monter la tension. Les Gilets Jaunes y ont aussitôt vu une loi liberticide. La manifestation nationale le 16 mars à Paris en est la démonstration : c’est une des plus grandes et plus offensives depuis le début du mouvement. Et elle avait lieu le jour de la fin du grand débat, comme une démonstration de force.

photos: https://lundi.am/

Bolsonaro, ascension et éléments pour y résister (francês e português)

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A-louest.info a pris contact avec des amis qui sont, entre autres, brésiliens pour mieux comprendre la séquence historique qui a amené la victoire du candidat d’extrême droite Jair Bolsonaro ainsi que les effets régressifs immédiats sur la politique sociale ou écologique, les attaques sur les populations indigènes et noires. Il s’agit d’essayer de trouver les moyens de faire face à une telle situation historique.

 

1. Qui est Jair Bolsonaro et comment a-t-il été élu?

Bolsonaro est un député fédéral dont le travail a été inexistant durant 20 ans. Bolsonaro était le représentant de l’extrême droite et de ce qu’il y a de plus conservateur dans la politique institutionnelle du pays. Peu à peu, grâce aux médias qu’aujourd’hui il critique, et par mimétisme avec Donald Trump, il est devenu une sorte d’idole pour beaucoup. Il commence à devenir une superstar, c’est pour cela qu’il est aussi difficile de discuter avec les personnes qui le soutiennent le plus. Il n’y a plus d’argument, seulement du désir et de l’idolâtrie. Il a acquis ce statut de superstar en se construisant uniquement en opposition : ses propositions, au fond, ne sont que des oppositions. Mais nous devons prêter attention à l’ensemble des énoncés caractéristiques de Bolsonaro.

La majorité des votes pour Bolsonaro n’a pas été contre la corruption. Ils ont été, en grande partie, des votes de peur.

Il est comme un terminal informatique, un point intermédiaire entre récepteur et émetteur d’énoncés permettant ainsi une amplification de telle ou telle déclaration. Il se dit beaucoup ici que sa victoire a été possible à cause de la corruption et de l’antipetismo [1]. Peut-être. Mais nous pensons que Bolsonaro a gagné aussi en réaction aux mouvements incessants au Brésil : mouvement pour le droit des femmes, des noirs, des LGBT+, des « sans terre », des « sans toit », tous ces mouvements qui – certains plus que d’autres –, variés dans leurs formes, sont liés aux perspectives et aux luttes en rupture avec le capitalisme. Pour nous il s’agit d’une réaction. Ce n’est pas un hasard si ses énoncés sont tous racistes, homophobes, misogynes. Encore moins le fait qu’il considère les groupes des « sans terre » ou des « sans toit » comme des terroristes. Ce n’est pas non plus un hasard si la majorité de ses électeurs sont des hommes blancs. La majorité des votes pour Bolsonaro n’a pas été contre la corruption. Ils ont été, en grande partie, des votes de peur. La peur de voir une modification des structures sociopolitiques brésiliennes. Il a aussi remplacé son discours de défense de l’Etat brésilien par un discours néolibéral sans frein, un capitalisme sans masque, brutal, écrasant et de désertification sociale.

 

2. Quelle est l'ambience générale dans la population brésilienne?

Impossible de répondre à cette question en ces termes, car il n’y a pas une population brésilienne. Si nous prenons en compte seulement les données de l’élection, près de 60 millions de personnes ont voté pour Bolsonaro, mais 80 millions de personnes n’ont pas voté pour lui (votes pour Haddad, votes blancs et abstentions). On sait également que le Brésil est un pays construit sur le maintien en dessous de la “citoyenneté brésilienne” de certains groupes. Il ne s’agit pas de lupenprolétariat mais bien de groupes considérés en dessous de toute humanité. D’une certaine manière, il y a toujours un massacre qui continue. Mais là il y a quelque chose de différent qui est difficile à analyser, même dans le camp des vainqueurs. Il y a ceux qui ont voté contre le Parti des Travailleurs (PT), influencés par le discours des médias, selon lesquels la corruption serait « l’invention de ce parti » : ceux-là semblent avoir un « espoir de changement ». Pour eux le discours de Bolsonaro n’est pas si problématique car le plus important, c’est l’économie et la fin de la corruption. Il y a aussi des opportunistes de toute sorte et un peu partout. Ceux-là sont surtout dans le monde politique et ont gagné en s’alliant à Bolsonaro. Et il y a les fans. L’ambiance chez ces derniers ressemble à de l’euphorie idolâtre. De ceux-là émergent les violences, les tabassages, car celui qu’ils considèrent comme idole, légitime en permanence ces violences. Il est aussi important de noter que même si le PTl’avait emporté, nous serions dans une situation difficile. 
Bolsonaro étant un réactif chimique fasciste, d’une chimie déjà présente, qui a gagné d’autres dimensions et d’autres natures avec sa catalyse. Beaucoup de gens qui ne s’identifiaient pas dans le discours fasciste ont été entraînés dans cette direction. Il y a un grand danger de sédimentation et d’enracinement des pires désirs politiques ultra réactionnaires et fascistes dans les différentes couches de la population brésilienne. Pour les fans, qui étaient déjà séduits par le discours, cela a empiré. Par exemple, la période électorale a été un terrain plus fertile pour passer à des actions concrètes : des dizaines de personnes ont été agressées et certaines ont été assassinées pour avoir des liens plus ou moins forts avec les mouvements de femmes ou de noirs…

3. La victoire de Bolsonaro était-elle complètement imprévisible?

Cette question est peut-être la plus importante. Nous essaierons ici de développer au mieux les questions antérieures.Les deux grandes hypothèses critiques qui expliquent la victoire de Bolsonaro sont insuffisantes, bien qu’elles soient, à des degrés divers, vraies. D’un côté, certains prétendent que nous sommes en train de vivre une situation totalement nouvelle et qui n’a pas de lien avec une situation précédente. En d’autres termes, Bolsonaro représente une « régression », un « retard », en installant une « barbarie » qui détruirait les valeurs démocratiques prétendument consolidées, qui fonctionnaient plutôt bien et généraient des chances égales pour tous, un peu moins d’inégalités sociales, etc. Mais dans cette hypothèse, on présume que la période démocratique qui arrive à sa fin était bonne, pas parfaite, mais qu’elle avait juste besoin de quelques améliorations. C’est le discours progressiste qu’une bonne partie de la gauche a repris, tout comme le Parti des Travailleurs, et qu’ils ont tenté d’utiliser de manière infructueuse lors de l’élection pour promouvoir leur candidat Fernando Haddad (PT), comme une forme de rédemption et de salut de la démocratie et du Brésil. Ce discours, nous ne pouvons en aucun cas l’accepter. Premièrement parce qu’il constitue une machine formidable qui empêchera de nouvelles formes de lutte efficaces ou, dans le cas où elles surgissent, elles seront rapidement récupérées. Nous pensons n’avoir aucun manichéisme à cet égard : c’était le moment de voter pour Haddad ! Justement contre la technologie, capitaliste par excellence, ce que les prétendus radicaux disent et que les anarchistes ont repris avec fierté : « tout se vaut », « tout les gouvernements se valent ».

Penser ne doit pas être une activité théorique réservée aux intellectuels, ce doit être avant tout une force vitale, capable de conjuguer la lutte avec la création d’une résistance.

Maintenant, l’autre discours, qui est complètement opposé à celui-ci : « il n y a rien de nouveau qui se passe, nous avons toujours été un pays extrêmement oppresseur, fondé et structuré par le génocide des noirs et des indigènes, très machiste, homophobe et pas seulement, avec la haine mais aussi avec un mépris de classe singulier » ! Les élites au Brésil sont sauvages et violentes, elles veulent écraser même en allant parfois à l’encontre de leur intérêt économique : toute possibilité que les plus pauvres ait une vie matérielle, spirituelle et subjective moins honteuse. Si tout n’est pas vrai dans la première hypothèse, la deuxième l’est totalement. Le problème pour nous c’est que la vérité et les certitudes nous font perdre de vue la question principale de ce que nous vivons et que personne n’explique : comment cette réalité brutale des oppresseurs a gagné de nouvelles formes d’expression ? Il ne suffit pas de dire « il n’y a rien de nouveau », car il y a bien quelque chose de nouveau. Le changement à grande échelle de tous les réseaux d’oppression implique déjà un changement dans la nature même de l’oppression. Qu’est ce qui a permis ces changements ? C’est ce que nous ne savons pas. Ce qu’il faut affirmer maintenant, c’est l’importance de cette question. Nous devons insister sur le fait que ce processus doit être analysé car c’est lui qui est entièrement nouveau. Le penser et le façonner de telle manière qu’il suscite dans nos pratiques de nouvelles forme de résistance. Il ne s’agit pas de trouver une réponse. Il s’agit de la penser pour être capable au minimum de poser le problème dans des situations données où des réponses peuvent apparaître avec leurs caractéristiques propres, connectées à d’autres questions et à de nouvelles formes de luttes.
Penser ne doit pas être une activité théorique réservée aux intellectuels, même s’ils sont et doivent être impliqués. Ce doit être avant tout une force vitale, capable de conjuguer la lutte avec la création d’une résistance.


4. Ici, en France, il y a beaucoup de comparaisons avec Trump qui sont faites. 
Pensez-vous que ces comparaisons sont justes? 
(On dit de Bolsonaro qu'il est le "Trump tropical").

On peut aussi entendre cela ici, un « Trump tupiniquim » [2]… d’un certain point de vue, cela a du sens, car Bolsonaro et Trump font partie de cette consolidation de l’extrême droite dans le monde, qui a pour but de mobiliser l’Etat d’une telle manière que n’importe quel état providence soit impossible et irréalisable. Les crises de 2008 en témoignent. L’État doit affaiblir toute réglementation dans le domaine des droits sociaux, sauver ce qui permet la production et l’auto-valorisation capitalistes. C’est une politique de la terre brûlée, c’est-à-dire un travail orchestré de destruction de tout ce qui peut offrir aux personnes un minimum de vie décente, à commencer par leur propre survie. Cela implique la construction de vastes zones d’investissement, de spéculation financière.
Pour ce faire – une autre similitude –, leur technique est d’orienter l’attention avec des déclarations intolérables : racistes, ségrégationnistes, xénophobes, ou même sur la torture, et, en même temps, extrêmement fallacieuses, affirmant par exemple qu’il existe un endoctrinement communiste dans les écoles, que les enseignants transforment leurs enfants en homosexuels, etc.
L’objectif est que nous nous indignions contre de telles positions, pour nous faire perdre de vue les mesures qui conduisent à des profits sans précédent pour les capitalistes, telles que la réforme du travail et des retraites au Brésil.
Mais attention ! Beaucoup de ceux qui diagnostiquent correctement cette technique, minimisent ses effets et ses causes, comme si elle servait à dissimuler quelque chose de plus important, à savoir des mesures “économiques”. Mais c’est justement le contraire. Ce sont ces formes d’oppression brutales, telles que le racisme et le machisme, qui sous-tendent les mesures économiques. C’est la défense de l’extermination et du génocide, la loi de la valeur que le capitalisme connaît actuellement, même s’il saisit toutes les opportunités et peut, bien sûr, profiter et prospérer avec la “libéralité des habitudes”. De plus, outre les réformes, ces positions ont des effets réels et immédiats sur le tissu social. Des lynchages, des assassinats et des harcèlements qui n’attendent aucun organisme gouvernemental pour être réalisés, qui sont appelés par nos voisins, par la population en général au nom de “la volonté libre et spontanée”.
Toujours dans cette direction, il existe certaines similitudes liées à la campagne électorale de Trump. La même entreprise de manipulation d’informations et de données utilisée dans la campagne de Trump a été utilisée par l’équipe Bolsonaro : Cambridge Analytica. Sa psychométrie, l’utilisation de banques de données par le biais de réseaux sociaux pour connaître les profils, les intérêts et surtout les désirs des électeurs, ont joué un rôle fondamental dans la diffusion d’un tourbillon d’informations faites à la vitesse de la lumière par l’application « WhatsApp », qui impressionnerait le plus délirant des auteurs de science-fiction. Aussi bien Bolsonaro que Trump semblent donc entretenir des relations avec les Grands médias, justement pour posséder le monopole de la « fake news ».
D’autre part, et de manière plus décisive, la comparaison entre Trump et Bolsonaro contribue à ce que Bolsonaro ne semble pas si horrible. Dans le monde d’aujourd’hui, Bolsonaro est peut-être plus proche de quelqu’un comme Rodrigo Duterte, des Philippines, notamment en ce qui concerne l’intensification du pouvoir meurtrier de la police et des forces paramilitaires.

5. Quelle va être la politique de Bolsonaro pour les questions écologiques?

La même politique que sur les questions sociales : la désertification. La tentative de généraliser la monoculture dans toutes les couches de la vie. Ici, nous devons nous rappeler une chanson de Dead Prez : Try to save the trees but you can’t go green without that black and red Quelque chose comme “Essayez de sauver les arbres, mais vous ne pouvez pas être vert sans noir et rouge”. Ils font référence aux couleurs du drapeau panafricain, mais cela est pour nous un bon conseil. La question écologique ne peut en effet pas être séparée de la question sociale. Nous semblons dire des banalités, mais parfois nous devons les dire. Et ceci est très clair au Brésil. L’une des cibles du développement des politiques de Bolsonaro, dirigée par son prêtre Paulo Guedes, concerne les terres indigènes.

Bolsonaro relance le discours de l’extermination immatérielle de l’indigène au Brésil, c’est-à-dire son assimilation, pour garantir l’existence de deux abstractions : la nation brésilienne et le peuple brésilien.

Au Brésil, depuis 1988, il est entendu que les terres, les langues et les modes de vie des peuples autochtones ne constituent pas une menace pour une certaine souveraineté nationale. Il était également entendu que là où il y avait ces gens, la faune et la flore étaient plus diversifiées et mieux préservées, y compris les méthodes d’agriculture et de chasse garantissant la vie des êtres humains sans supprimer les possibilités de rénovation des sols ou la capacité de reproduction des espèces. Il est donc devenu évident que ces peuples, ainsi que leurs terres, devraient plutôt être protégés, principalement de l’action de l’État-capital lui-même. Depuis sa naissance en 1500, les gouvernements successifs ont essayé, sans succès, mais non sans atrocités, d’exterminer les peuples autochtones. Extermination matérielle, même des corps, ou immatérielle – pour les rendre uniquement brésiliens. Bolsonaro revient avec le discours de l’extermination immatérielle : assimilation de l’indigène au Brésil. (Discours d’effacement de ces existences pour garantir l’existence de deux abstractions : la nation brésilienne et le peuple brésilien) . En les rendant uniquement brésiliens, ils auraient tous les droits des Brésiliens, surtout celui de vendre ce qui leur appartient, c’est-à-dire leurs terres – que les sociétés minières, les entreprises d’énergie hydroélectrique, les entreprises agricoles et d’autres chiens assoiffés convoitent comme un os qui exsude son parfum mais est stocké dans une grande boîte encore fermée. La même chose peut être dite des territoires quilombola [3] – qui ont déjà commencé à être attaqués et supprimés avant même l’investiture de Bolsonaro. Lorsque nous parlons d’impact écologique, nous entendons l’extermination matérielle et immatérielle de vies humaines et non humaines. Des impacts qui traversent toutes les frontières, y compris celles entre la forêt et les villes. Mais les chiens ne se concentrent que sur l’os.
En outre Bolsonaro représente la possibilité d’une déréglementation complète des quelques protections et législations de l’environnement déjà précaires. En passant, ils n’ont pas pu, pour des raisons qui leur sont intrinsèques, gêner les actions catastrophiques menées par les gouvernements précédents, telles que la construction de la centrale de Belo Monte en Amazonie… La destruction de l’Amazonie est brutalement accélérée.

 

6. Et maintenant, que faire? 
(Peut-être qu'il sera très difficile de répondre à cette question aujourd'hui).

Vraiment difficile de répondre ! parce que la réponse ne peut pas fournir un modèle, une recette de gâteau parfaite, unique, juste et croustillante qui nous sauverait de tout le mal. Pour nous, un tel type de réponse n’est pas une réponse parmi d’autres, mais une composante du problème, c’est-à-dire de ce à quoi nous sommes obligés et avons besoin de résister. Il serait peut-être important de souligner la difficulté de la question. Difficulté qui ne ressemble pas à la difficulté d’un épreuve compliquée dont nous n’avons pas étudié le contenu et à laquelle nous ne sommes pas préparés. Dans ce cas, la réponse existerait déjà.
La difficulté réside peut-être dans la nécessité d’inventer la réponse, de créer une résistance et d’en faire un acte de création. Qu’entendons-nous par là ? Tout d’abord, il ne faut en aucun cas faire table rase des souvenirs de luttes passées. Mais, au contraire, les réactiver. Penser que si nous pouvons même poser la question de la résistance, aujourd’hui, c’est parce qu’il y a déjà eu beaucoup de résistance par le passé. Peut-être que la peur, le désespoir et l’impuissance peuvent être bloqués ou, tout du moins, atténués. Peupler l’imaginaire est très important ! Car lui aussi, tout comme l’environnement et les questions sociales, est en train d’être désertifié. Nous ne savons pas ce que nous pouvons faire… nous ne découvrons ces dimensions supplémentaires de la liberté que lorsque nous insistons sur le fait que “d’autres possibles sont possibles”, en essayant de ne pas laisser les luttes au moins être toujours régies par l’urgence, nous obligeant à toujours faire ce que ceux qui nous gouvernent nous disent : « nous ne pouvons pas nier que c’est la moins mauvaise chose à faire… ».
D’autre part, peupler l’imagination d’autres récits, d’autres relations possibles, d’autres façons de vivre, peut être une façon de soutenir le défi qu’un ami a déjà posé :
« Par quel moyen déclencher, dans le climat de passivité actuel, un grand réveil, une nouvelle renaissance ? La peur de la catastrophe sera-t-elle un moteur suffisant dans ce domaine ? Des accidents écologiques, tel Tchernobyl, ont certes conduit à un réveil de l’opinion. Mais il ne s’agit pas seulement d’agiter des menaces, il faut passer aux réalisations pratiques. II convient aussi de se rappeler que le danger peut exercer un véritable pouvoir de fascination. Le pressentiment de la catastrophe peut déclencher un désir inconscient de catastrophe, une aspiration vers le néant, une pulsion d’abolition. C’est ainsi que les masses allemandes, à l’époque du nazisme, ont vécu sous l’empire d’un fantasme de fin du monde associé à une mythique rédemption de l’humanité. II convient de mettre l’accent, avant tout, sur la recomposition d’une concertation collective capable de déboucher sur des pratiques novatrices. » [4]
Ensuite, il ne s’agit pas de faire table rase des luttes en cours… Et si la question ne peut être, tout du moins, celle de formuler un bon programme définitif et fédérateur, il s’agira peut-être de cultiver un véritable art des liens entre les manières de résister, à partir de et non pas contre des singularités, des inégalités et des divergences de chaque mode d’existence impliqué dans les luttes de résistance et de survie. Comment échapper à la fois à l’isolement qui rend impuissant, et aux formes d’organisation qui reposent sur une volonté d’homogénéisation, restera un défi crucial et vital. Encore une fois, cela reste à découvrir, avec tous les risques d’échecs, avec toute la précarité qui ne cessera jamais d’exister. Mais nous pourrions y parvenir grâce à un lien avec les luttes d’hier et aujourd’hui, sans unifier, mobiliser, instrumentaliser…

Nous remercions nos amis de l’autre côté du monde pour avoir pris le temps de répondre à ces questions ainsi que tous ceux qui nous ont aidé à la traduction.

Notes

[1Ceux qui sont contre le parti des Travailleurs, parti de gauche de Lula et Dilma Rousseff qui était au pouvoir juste avant.

[2Les Tupiniquim sont un groupe indigène du Brésil de la nation Tupi

[3Les Quilombola sont les habitants des Quilombos, territoires de repli des esclaves brésiliens qui fuyaient l’esclavage. Leurs descendants vivent toujours en communauté dans ces zones.

[4Pour une refondation des pratiques sociales, Félix Guattari – 1992

 

Bolsonaro, ascensão e elementos para resistir



1. Quem é Jair Bolsonaro e como ele venceu a eleição?

Um deputado federal, cujo trabalho é nulo, por mais de duas décadas. Bolsonaro funcionava como um representante da extrema direita, como um ponto de acúmulo na política institucional do que há de mais conservador no país. Aos poucos, graças também à mídia que hoje ele crítica, mimetizando Donald Trump, Bolsonaro passa a se transformar em um certo ídolo. Ele passa a funcionar no regime de popstar. Por isso é tão difícil conversar, discutir com aquelas pessoas que o apoiam de modo mais veemente. Não há argumentos, há apenas desejo, e idolatria. Seu status de popstar foi conquistado com a veiculação de enunciados em oposição à algo. Mesmo suas proposições, no fundo, são oposições. Mas deve-se ter atenção ao conjunto de enunciados característicos de Bolsonaro. Ele é como um terminal informático, um ponto intermediário, ao mesmo tempo receptor e distribuidor de enunciados, ampliando o campo de efetividade de tais enunciados. Diz-se que Bolsonaro ganhou por causa da corrupção, do antipetismo. Talvez. Pensamos que Bolsonaro ganhou, também, como reação a um movimento incessante no Brasil, movimento de mulheres, movimentos negros, movimentos LGBT+, movimento sem terra, sem teto, todos dialogando de modo mais próximo ou mais distante com uma agenda de ruptura com o capitalismo. Trata-se de uma reação. Não é aleatório que os enunciados que Bolsonaro replica são racistas, homofóbicos, misóginos. Não é um acaso o fato de um de seus pontos principais ser considerar grupos sem teto e sem terra de terroristas. Não é a toa que a maioria de seus eleitores são homens brancos. O voto majoritário em Bolsonaro não foi contra a corrupção. Foi, amplamente, um voto de medo. Medo de modificações na estrutura sociopolítica brasileira. Não é um acaso ele ter modificado seu discurso de defesa do Estado brasileiro para um neoliberalismo sem freios, o capitalismo sem máscaras, de brutalidade, de esmagamento e desertificação social.

2. Qual é o clima geral entre a população brasileira?

Pergunta impossível de ser respondida. Não há uma população brasileira. Se levarmos em conta apenas os números da eleição, se quase 60 milhões de pessoas votaram em Bolsonaro, foram 80 milhões que não votaram (votos em Haddad, nulos, brancos e abstenções). Sabe-se, ainda, que o Brasil é um país construído sobre a manutenção de grupos mantidos aquém da “cidadania brasileira”. Não se trata só de lumpenproletariado, sim de grupos tidos como aquém da humanidade. De certa forma, sempre houve um massacre em processo. Mas há algo diferente. Seria difícil diagnosticar até o clima do “lado vencedor”. Pois há aquelas pessoas que votaram contra o PT, levadas pelo discurso da grande mídia segundo o qual a corrupção é uma invenção desse partido. Essas parecem ter uma certa “esperança de mudança”. Para elas o que Bolsonaro replica não é tão problemático, pois o importante é a economia e o fim da corrupção. Há também oportunistas de toda sorte, espalhados por toda a parte. Principalmente entre os políticos que ganharam por se vincularem a Bolsonaro. E há os fãs. O clima entre esses parece ser de euforia idólatra. Desses emergem as violências, os espancamentos, pois aquele que eles consideram ídolo legitima a todo tempo tais brutalidades.

Assim, é interessante notar que mesmo se o PT ganhasse, estaríamos em sua situação muito difícil. Bolsonaro é um reagente químico fascista, de uma química já presente que ganha outras dimensões e naturezas com a sua catálise. Muitas pessoas que não se identificam, digamos assim, com políticas fascistas, foram arrastadas nesta direção. Há um grande perigo, portanto, de sedimentação, de enraizamento, nas químicas das populações brasileiras, dos piores desejos, das piores políticas, ultrareacionárias e fascistas. Em relação aos fãs, isto é, aqueles já inseridos explicitamente neste fluxo, a coisa também piorou. Foi um terreno fértil, um campo aberto, para realizarem ações mais concretas. Por exemplo, durante o período eleitoral, dezenas de pessoas foram agredidas e, algumas, assassinadas, por terem sido detectadas por possuírem algum vínculo, uns mais outros menos, e em heterogêneas dimensões, com movimentos de mulheres, movimentos negros…

3. A vitória de Bolsonaro era alguma coisa de completamente imprevisível?

Essa, talvez, seja a questão mais importante. E aqui nos aprofundamos e desenvolvemos as questões anteriores. Ela nos faz pensar que as duas grandes narrativas, digamos assim, críticas, que explicam a vitória de Bolsonaro são insuficientes, ainda que sejam, em graus diferentes, verdadeiras. De um lado, se pretende construir a ideia de que estamos vivendo uma novidade absoluta, uma situação inteiramente nova e com pouca conexão com um passado. Dito de outra maneira, trata-se de afirmar que Bolsonaro representa um “retrocesso”, um “atraso”, na instalação de uma “bárbarie” que destruiu os valores democráticos supostamente consolidados, que estavam funcionando bem e gerando oportunidades iguais para todos, menos desigualdade social e por aí vai. Mas essa narrativa precisa pressupor que o período democrático que está em vias de terminar era algo demasiadamente bom, apenas não aperfeiçoado, apenas necessitando ser melhorado. É uma narrativa do progresso que boa parte da esquerda adquiriu, como por exemplo o Partido dos Trabalhadores. E que serviu, de maneira fracassada, para tentar promover a eleição do canditato Fernando Haddad, do PT, como uma forma de redenção e uma salvação da democracia e do Brasil que estava dando certo. Isso não podemos aceitar de jeito nenhum. Primeiro porque isso servirá como uma grande máquina que sugará a possibilidade de novas e eficazes formas de luta surgirem ou, se surgir, serão rapidamente capturadas. Tentamos não ter nenhum maniqueísmo a este respeito, foi o momento de votar em Haddad! Justamente contra a tecnologia, capitalista por excelência, que os pretensos meios radicais, anarquistas por exemplo, retomaram com orgulho: “tudo se equivale”, “todo governo se equivale”.

Agora, uma outra narrativa, oposta em relação a essa primeira, vai na direção contrária: “não há nada de novo ocorrendo, sempre fomos um país extremamente opressivo, fundado e estruturado pelo genocídio de negros e indígenas, intensamente machista, homofóbico e não apenas com um ódio, mas também com um nojo de classe singular”! As elites, no Brasil, são selvagemente violentas, querem esmagar, ainda que precisem ir contra seus interesses de lucro econômico, toda e qualquer possibilidade dos mais pobres viverem uma vida material, espiritual e subjetivida menos vergonhosa. Se a primeira narrativa possui suas doses de verdade, esta narrativa é inteiramente verdadeira! O problema é, para nós, que a verdade, a explicação certeira, nos faz perder o principal do que estamos vivendo e que ninguém explica: como essa realidade brutal, esse já aí opressivo ganhou novas formas de expressão? Não se trata de dizer “não há nada de novo”, pois há. A mudança de escala de todas as redes de opressão já aí implica, necessariamente, uma mudança de natureza da própria opressão. O que operou essa passagem? É isso que não sabemos. Talvez a questão mais importante seja, agora, afirmar a importância da questão, isto é, devemos insistir no fato de que essa passagem deve ser pensada pois é ela que é inteiramente nova. Pensá-la, nesse caso, é configurá-la de tal modo que ela suscite em nós práticas de resistência outras. Não se trata de pensar para achar uma resposta. Se trata de pensar para, no mínimo, sermos capazes de colocar o problema onde novas respostas podem surgir, com suas configurações situacionais, conectadas a outras e novas formas de luta. E pensar, aqui, não deve ser uma atividade teórica de intelectuais, ainda que estejam devam e possam estar envolvido, trata-se da força vital capaz de conjugar a luta com a criação de resistências.

4. Aqui na França tem muita comparação ao Trump vocês acham que essa comparação é justa ? 
(Se diz aqui do Bolsonaro que ele é um Trump tropical).

Também se escuta isso por aqui, um “Trump tupiniquim”… De um certo ponto de vista faz sentido, pois Bolsonaro e Trump fazem parte dessa consolidação da extrema direita pelo mundo com o objetivo de mobilizar o Estado de uma tal maneira que qualquer possibilidade de welfare state seja impossível e irrealizável. As crises de 2008 mostram isso. O Estado deve enfraquecer toda regulamentação no campo dos direitos sociais e, literalmente, salvar as engrenagens de produção, reprodução e autovalorização capitalista. É uma política de terra arrasada, isto é, um trabalho orquestrado de destruição de tudo aquilo que pode oferecer um mínimo de vida digna para as pessoas, a começar pelas suas próprias sobrevivências. O que implica, imediatamente, na construção de grandes zonas de investimento, de especulação financeira e lucro. Para isso – outra semelhança – eles utilizam esta técnica de direcionamento da atenção que consiste em declarações intoleráveis de cunho racistas, segregacionistas, xenofóbicas, enaltecimento da tortura e, ao mesmo tempo, altamente falaciosas, por exemplo, afirmando que existe uma doutrinação comunista nas escolas, que os professores irão transformar suas crianças em homossexuais e por aí vai… O objetivo, assim, seria o seguinte: ficaremos nos indignando contra tais posturas e perderemos de vista as medidas que levam a lucros inauditos para os capitalistas, como a reforma trabalhista e a reforma da previdência no Brasil. Mas atenção! Boa parte daqueles que com razão diagnosticam esta técnica correm o risco de minimizar os efeitos e as causas destes posturas, como se elas fossem apenas para disfarçar algo de mais importante, a saber, as medidas “econômicas”. Mas é justamente o contrário. São estas formas brutais de opressão, como racismo e o machismo, por exemplo, que sustentam as medidas econômicas. É a defesa do extermínio e do genocídio a lei do valor que o capitalismo conhece atualmente – ainda que ele aproveite todas as oportunidades e seja capaz, evidentemente, em lucrar e prosperar com a “liberalidade dos costumes”. Além do mais, além das reformas, estas posturas tem efeitos reais, imediatos, no tecido social. Espancamentos, assassinatos e hostilizações que não esperam nenhum órgão do governo realizar, que é feita e bradada por nossos vizinhos, pela população em geral por “livre e espontânea vontade”.

Ainda nessa direção, é notável algumas semelhanças relacionadas a campanha eleitoral. Inclusive a mesma empresa de manipulação de informações e dados utilizada na campanha do Trump foi requisitada pela equipe de Bolsonaro. A Cambridge Analytica, sua psicometria, o uso de bancos de dado através de redes sociais para conhecimento dos perfis, dos interesses e sobretudo dos desejos dos eleitores, foram fundamentais na disseminação de um turbilhão de notícias realizadas na velocidade da luz através, sobretudo, do aplicativo WhatsApp que impressionaria o mais delirantes dos autores de ficção científica. Tanto Bolsonaro quanto Trump, por isso, parecem ter uma relação tensa com a Grande Mídia, justamente para possuir o monopólio das chamadas fake news.

Por outro lado, e mais determinantemente, a comparação entre Trump e Bolsonaro contribui para que Bolsonaro não pareça tão horrível assim. No mundo atual, talvez Bolsonaro esteja próximo de alguém como Rodrigo Duterte das Filipinas – sobretudo no que toca a intensificação do poder de matar das forças policiais e paramilitares.

5. Qual vai ser a politica do Bolsonaro em relação às questões ecológicas?

A mesma que aquela em relação às questões sociais: desertificação. A tentativa de generalização da monocultura em todos estratos da vida. Aqui, devemos lembrar de uma música do dead prez: Try to save the trees but you can’t go green without that black and red. Algo como “Tenta salvar as árvores, mas você não pode ser verde sem o preto e o vermelho”. Estão se referindo às cores da bandeiro do Pan-africanismo, mas nos serve como conselho. A questão ecológica não pode, na verdade, não é separada da questão social. Parece que dizemos obviedades, mas as vezes é preciso dizê-las. E isso é explícito no Brasil. Um dos alvos do desenvolvimentismo de Bolsonaro, guiado por seu sacerdote Paulo Guedes, são as terras indígenas. No Brasil, desde 1988, entendeu-se que as terras, as línguas e os modos de viver dos povos indígenas não são ameaças a uma certa soberania nacional. Entendeu-se, também que onde há esses povos há maior diversidade de fauna e flora, e maior conservação de ambas – inclusive com os métodos de agricultura e caça que garantem a vida dos humanos sem extinguir as possibilidades de renovação do solo ou a capacidade de reprodução das espécies. Assim, ficou evidente que tais povos, junto a suas terras, deveriam, sim, ser protegidas, principalmente da ação do próprio Estado-Capital. Este, desde de seu germe em 1500 vem tentando, sem sucesso, mas não sem atrocidades, exterminar os povos indígenas. Extermínio material, corporal mesmo, ou imaterial – tornando-os apenas brasileiros. Bolsonaro retorna com o discurso de extermínio imaterial: assimilação do indígena ao Brasil. (Discurso de apagamento dessas existências para garantir a existência de duas abstrações: a nação brasileira e o povo brasileiro). Tornando-os brasileiros eles teriam todos os direitos dos brasileiros, principalmente aquele de vender o que é seu, ou seja, suas terras – algo que mineradoras, empresas de energia hidroelétrica, agropecuária, e outros cachorros sedentos ficam rodeando como a um osso que exala seu cheiro mas está guardado em uma grande caixa. Pode se dizer o mesmo dos territórios quilombolas – e que já começaram a ser atacados com remoções antes mesmo da posse de Bolsonaro. Quando se fala em impacto ecológico aí, quer se dizer o extermínio material e imaterial de vidas humanas e não-humanas. De impactos que atravessam todas as fronteiras, inclusive aquelas entre floresta e cidades. Mas os cachorros só têm atenção para o osso.

Em suma, Bolsonaro representa a possibilidade de uma desregulagem completa das poucas proteções e legislações, já extremamente precárias, do meio ambiente. Que, diga-se de passagem, não foram capazes, por razões íntrinsecas a elas, de pertubar ações catastróficas em governos anteriores, como por exemplo a construção da Usina de Belo Monte na Amazônia… A destruição da amazônia está sendo brutalmente acelerada…

6. E agora o que fazer ? (talvez essa pergunta seja muito difícil responder agora)

Realmente difícil de responder! Até porque, a resposta não pode fornecer um modelo, uma receita de bolo nítida, verdadeira e justa que nos salvaria de todo o mal. Um tipo de resposta como esse, para nós, não é uma resposta entre outras, mas é um componente do problema, isto é, daquilo mesmo que devemos e necessitamos resistir. Talvez, seria importante enfatizar na dificuldade da questão. Dificuldade que não se assemelha a dificuldade de uma difícil prova cujo conteúdo nós não estudamos e estamos despreparado. Pois, nesse caso, a resposta já existe. A dificuldade está, talvez, em que é preciso inventar a resposta, criar a resistência e fazer dela um ato de criação. O que entendemos com isso? Primeiramente, de modo algum, significa fazer tábula rasa das ancestrais memórias de luta. Mas, justamente, reativá-las. Pensar que se podemos sequer colocar a questão da resistência hoje é porque já houve muita resistência. Talvez o medo, o desespero e a impotência possam ser bloqueados ou, no mínimo, atenuados. Povoar a imaginação é muito importante! Pois também ela, junto com o meio ambiente e o social, está sendo desertificada. A gente não sabe do que podemos nos tornar capaz de fazer… E só descobre estas dimensões suplementares de liberdade quando insisitmos que “outros possíveis são possíveis”, tentando não deixar que as lutas sejam, no mínimo, sempre, referenciadas pelas urgências, nos obrigando a fazer sempre aquilo que aqueles que querem nos governar dizem que “não podemos negar que é o menos pior a ser feito…”. De outro modo ainda, povoar a imaginação com outras narrativas, com outras relações possíveis, com outros modos de viver, pode ser uma maneira de sustentar o desafio que um amigo, certa vez, colocou: “Par quel moyen déclencher, dans le climat de passivité actuel, un grand réveil, une nouvelle renaissance? La peur de la catastrophe sera-t-elle un moteur suffisant dans ce domaine? Des accidents écologiques, tel Tchernobyl, ont certes conduit à un réveil de l’opinion. Mais il ne s’agit pas seulememt d’agiter des menaces, il faut passer aux réalisations pratiques. II convient aussi de se rappeler que le danger peut exercer un véritable pouvoir de fascination. Le pressentiment de la catastrophe peut déclencher un désir inconsciem de catastrophe, une aspiration vers le néant, une pulsion d’abolition. C’est ainsi que les masses allemandes, à l’époque du nazisme, ont vécu sous l’empire d’un famasme de fin du monde associé à une mythique rédemption de l’humanité. II conviem de mettre l’accent, avant tout, sur la recomposition d’une concertation collective capable de déboucher sur des pratiques novatrices.”

Depois, também não se trata de fazer tábula rasa das lutas em curso… E se a questão não pode ser, no mínimo e apenas, a de formular um bom programa definitivo e unificador, ela, talvez, poderá passar pelo cultivo de uma verdadeira arte das conexões entre os modos de resistir, a partir e não apesar das singularidades, asperezas e divergências de cada modo de existência implicado nas lutas de resistência e sobrevivência. Como escapar dos isolacionismos impotentes e das unidades que necessitam de consensos homogeneizantes seguirá sendo, de forma crucial e vital, um desafio importante. Pois, mais uma vez, não sabemos, está para ser descoberto, com todo o risco de falhas, com toda a precaridade que nunca deixará de estar presente, o que poderíamos ser capazes de aprender através de uma conexão com as lutas de ontem e de hoje sem uniformizar, mobilizar, instrumentalizar…

Uma derrota é preferível à outra

Não somos a favor da democracia, entre outras razões porque, cedo ou tarde, ela conduz à guerra e à ditadura; também não somos pela ditadura, entre outras razões porque a ditadura faz desejar a democracia, provoca seu retorno e tende assim a perpetuar esta oscilação da sociedade humana entre uma franca e brutal tirania e uma pretensa liberdade, falsa e mentirosa. Está posta aí a dialética sem síntese entre democracia e ditadura. No entanto, é necessário uma certa prudência para não nos deixarmos levar por aqueles descuidados que dizem “no final, democracia, ditadura, direita, esquerda, é tudo igual”. Para nós não há dúvidas de que a pior das democracias é sempre preferível à melhor das ditaduras, a democracia – o pretenso governo do povo – é uma mentira, mas a mentira acorrenta sempre um pouco o mentiroso e limita seu bel-prazer. Há uma mudança de perspectiva em relação ao funcionamento da mentira: já não se trata do modo segundo o qual ela permite o domínio de uma classe sobre a outra, mas sim como “um povo” pode abrir certas brechas em um regime e, assim, ganhar mais liberdade e felicidade, mesmo que brevemente. A questão a ser colocada em relação à mentira de um “governo do povo” é: ela consegue limitar o poder dos que governam?

Tais considerações sobre democracia, ditadura e mentira  parecem importantes para analisarmos a situação que nos encontramos: um jogo cujo término parece ser, de qualquer maneira, a derrota. Mas tratam-se de derrotas diferentes.

De um lado, nos mantemos na mentira de um “governo do povo”, com o PT, mas sabemos que tal mentira fez com que certas brechas fossem abertas nas universidades e na economia. Independente dos efeitos negativos do bolsa família – principalmente nos modos de vida ditos nativos e tradicionais – sabe-se que passar a não viver na miséria completa imposta pelo capitalismo, e contraditoriamente, poder dele participar, mesmo que minimamente, foi algo importante para muitas pessoas. Sabe-se que, mesmo considerando o esmagamento subjetivo produzido pela educação formal, o fato de pessoas dela sempre excluídas, como a população negra, passar a entrar na universidade como estudante, como pesquisadora e como professora, produz um efeito de metamorfose também nesse ambiente marcado pelo elitismo e pelo exotismo em relação ao outro. E, principalmente, produz consequências na vida dessas pessoas marcadas, até pouco tempo a ferro e fogo, para um destino de marginalidade. A mentira de um “governo do povo” tem efeitos sobre esse próprio governo, acorrenta-o impedindo, ou dificultando, sua aproximação em relação à tirania.

De outro lado, tem-se a vontade de verdade. O discurso de ódio sem mais disfarces. “A verdade é que somos machistas, somos racistas, somos classistas, somos homofóbicos, transfóbicos e foda-se… mas falamos a verdade”. A vontade de verdade mostra sua face enganadora. O desprezo aberto pelo povo, que é sinônimo de apreço pela tirania, apresenta-se como virtude. E vê-se, já, suas consequências: espancamentos e mortes ritmadas pelos gritos que clamam um candidato.

 

Não nos enganemos: as minorias sempre estiveram na mira do Estado. A continuidade do genocídio da população negra por parte dos agentes de Estado, ou de outros grupos que espelham o poder do Estado, como o tráfico de drogas – sobretudo o atacadista, já que usa como escudo os corpos de seus funcionários provenientes das classes mais pobres e com a cor mais escura – e as milícias, é o dado mais evidente disso. Mas, como dito, a mentira acorrenta o poder. Ações afirmativas, tipificação de ações discriminatórias como crime, serviços especializados, ou mais atentos às singularidades, no sistema único de saúde não são dados a serem desprezados. São fissuras, frutos da pressão dessas existências diversas, dessa multiplicidade sobre o Estado, Uno por natureza. Tais fissuras são frutos da ação criativa das minorias. O fascismo  reemergente é uma mera reação, já que é incapaz de criatividade. É apenas uma reação de autoconservação. Por isso o fascismo é mortífero, por definição é contrário à própria vida, em si criativa e heterogênica. Tais mortes e espancamentos tornam explícito que se trata de fascismo, tornam evidente do que se trata o fascismo. E fazem ver mais: vê-se a capilaridade de um Estado livre de suas correntes. Não se lida mais com o monopólio da violência. A agência da violência passa a ser distribuída pelo Estado entre todos os entusiastas, todos os fãs deste que se ergue como ídolo. Todos esses seguidores passam a ser policiais da família patriarcal, da propriedade privada hereditária e distribuída racialmente, policiais da tradição, que cabe dizer, é a tradição de uma classe, de um gênero e de uma cor. Todos esses fãs medíocres passam a ser agentes soberanos de um Estado de merda. Isso não é algo que possa ser indiferente. Nesse jogo cujo fim são duas derrotas, uma derrota ainda é preferível à outra.

Já fizemos ressoar os gritos de outra revolução: o voto não muda nada, a luta continua. Um grito que ainda nos move. Talvez deva se fazer uma ressalva, mantendo tal grito em mente: o voto, agora, pode impedir que se mude em direção à legitimação e, necessariamente, à multiplicação da violência em nome do Estado, do esmagamento das diferenças em nome da Nação. E, como se disse, caso haja vitória do PT, continuaremos a entoar: o voto não muda nada, a luta continua. Não há moral do voto nulo que nos impeça de dizer: sim, é preferível um governo mentiroso do que um abertamente fascista. Nós, que somos muitas e muitos, dizemos, gritamos: “Ele não”. A negativa é importante. Não dizemos “sim” a nenhum pretendente ao poder. Se votamos em um candidato estamos dizendo “não” ao fascismo, não “sim” a essa democracia. Ainda lutamos contra a democracia representativa, continuaremos lutando, mesmo que nos digam que uma vida igualitária e justa seja impossível. Entoamos outro canto: sejam realistas, exijam o impossível. Exigimos o impossível. Essa exigência é nosso motor. Assim, se talvez não consigamos pôr fim à existência do governo, contudo, podemos impedir que ele se torne forte e tirânico. Poderemos obrigá-lo a respeitar para nós, e para aqueles que se uniriam a nós, o máximo de liberdade possível […] Em todo o caso, mesmo vencidos, daremos um exemplo fecundo, cujos os resultados serão concretos num futuro próximo. Mesmo vencidos e vencidas agora, o futuro será herança de nossas lutas, assim como essas são heranças das que se deram antes de nós. O futuro é nosso.

Branco sai, Preto fica.

Algo acontece

Sofrimento

Como positivar o sofrimento? Talvez esse seja o problema central para o filme “Branco sai, Preto fica” do Coletivo de Cinema de Ceilândia. Problema que impulsiona a obra, sua forma e seu conteúdo. Afinal, como tratar de um evento que deixou marcas materiais e imateriais nas pessoas negras de Ceilândia? Tem-se um movimento duplo no filme: de um lado, não cair na vitimização, que acaba por fixar as pessoas em um papel passivo; de outro, não se restringir à denúncia, que como par da vitimização acaba por se tornar uma homenagem aos agressores, nesse caso a polícia.

Dizer sim ao sofrimento, afirmá-lo enquanto sofrimento, é um sinal de uma vida potente, de criações, cinematográficas por exemplo, potentes, como dizia um filósofo que morou bem longe da Ceilândia. Esse mesmo camarada que também dizia: “se eu não transformar essa merda em ouro, eu estou fudido!”. A dor e mesmo a raiva decorrente são combustíveis para positivar o sofrimento e escapar da tristeza, da resignação e todas essas merdas que nos põem ainda mais pra baixo.

Alegria

E o contrário também é verdadeiro. É a alegria o afeto que se manifesta nesta resistência. O pessoal do Coletivo de Cinema de Ceilândia não cansa de repetir o quanto foi fundamental, no processo de criação do filme, rir alto, se divertir, “zoar com a cara deles”. O final do filme, a bela vingança, é em ato este procedimento. Uma bomba de traços minoritários, colocadas numa máquina, são lançadas, serão lançados, foram lançados contra todos os Centros, contra o rosto branco da cidade, contra a miséria que vive o povo, contra um cinema vergonhoso com seus esteriótipos reacionários. Por isso, não se trata de um final feliz, e sim de um final alegre. Em tudo o que há de sofrido, de dor, de raiva, e mesmo de ressentimento, de rancor, é transmutado, transformados em alegria. É uma mensagem alegre, e que só pode ser intensamente alegre por conta da grande dose de sofrimento que ela carrega e afirma. Não é a alegria do fascismo de Tropa de Elite, não é a alegria das comédias burguesas da globofilmes feitas para minimizar o tédio e a depressão da classe média. É a alegria da criação.

Criação

Sobre nossa história fabulamos nós mesmos”. Que se escreva e que se diga com todas as palavras. Não se trata de ver o lado bom das coisas, nem de otimismo e ingenuidade, mas de criação. Tentaram destruir um território existencial, onde pessoas negras, pobres e periféricas dançavam, cantavam, experimentavam, criavam, ou seja, viviam, então, que se crie mais e mais, é tudo nosso.

Pois, é fato que, de uma certa maneira, as “elites”, o “status quo”, isto é, as forças dominantes, no cinema e fora dele, suportam em algum grau quando as minorias mostram “suas desgraças”. Às vezes desejam ver estas desgraças. O que é insuportável é quando estas minorias invadem barbaramente ou sutilmente os locais de domínio destas forças dominantes. Ou ainda: que o povo da periferia faça sua música “regional”, que eles contem sua “cultura exótica”, que eles dancem de uma maneira estranha, que eles cultuem deuses “esquisitos”, ou seja, que eles permaneçam em suas particularidades, tudo bem. Tolera-se (às vezes nem isso). Agora, por favor, eles clamam, não toquem na maneira correta de falar, não pertubem a religiosidade certa, não mudem o modo verdadeiro de fazer política, não mudem esta música sacralizada e, é claro, não façam com que os elementos periféricos e negros inventem um outro Cinema, uma outra Política, um outro modo de existir. Em uma palavra, eles dizem: não criem! E ainda podem, sentindo que não dá mais para segurar, desvitalizar, tentar transformar em mercadoria, dizer que é moda, e fingir conceder um status mais importante, digno, ao lado de suas produções dominantes. Seria esta a pior das capturas? Pensamos que, talvez, o fato de uma coisa ser capturada não quer dizer que ela seja capturável. Já entrou, explodiu o cano, vai fazer estrago… As forças dominantes não são donas dos fluxos de tudo o que acontece. Elas apenas pensam que são.

Documentário-ficção

O filme é um acontecimento por que experimenta fazer no cinema, aquilo que já se faz nas periferias, favelas e ruas. Não se trata de “documentar” o que acontece, mas de fazer o cinema funcionar como uma periferia, uma favela, como a rua. Talvez aqui esteja o núcleo do cinema de documentário: não documentar algo; sim funcionar como algo. Na rua não existem dúvidas de que a polícia é racista, violenta, assassina; muito já se viveu, já se falou e já se denunciou, tem-se que saber o que fazer com isso, criar estratégias de vida. Então, que o grito venha de alguém do futuro, que seja tipo um blade runner do gueto que grite olhando nos olhos e atirando: racista de merda – Pou! Pou!, como o faz brilhantemente o personagem de Dilmar Durães.

Os melhores documentários são aqueles que nos fazem ver a ficção da realidade. As melhores ficções são aquelas que nos dão a realidade sem sociologia ou estatística. É como um pendulo incansável que transita entre a ficção da realidade e a realidade da ficção que o filme “Branco sai e preto fica” se presentifica, se faz. Ele não atinge nossa consciência ou nossas emoções. É direto no sistema nervoso. Pois a ficção da realidade não é apenas mostrar – e isso é também importante – o quão fabricada e construída é esta história de opressão e sofrimento. Mas também perceber sua fragilidade, suas fraquezas, sua vulnerabilidade. E a realidade da ficção não é a fantasia de algo possível. É o próprio possível, aqui e agora, que nos faz criar e resistir. Inventar outra coisa. Tentar ao menos! Um cinema que é do início ao fim política, pois a política é o terreno da produção de existência.

Acontecimento

O encontro entre a ficção da realidade e a realidade da ficção produz um acontecimento. O filme é um acontecimento. Um acontecimento é aquilo que faz com que as coisas não possam mais ser vistas e feitas do mesmo jeito. Aquele cinema “bem intencionado” do tipo: “vocês nos dão a vida difícil de vocês e a gente transforma em arte; em troca denunciamos o que acontece”; não pode ser visto da mesma forma. Denunciam-se os Capitães Nascimento, mas no fim, “sem querer”, eles se tornam heróis. (Nada melhor do que a sabedoria popular para nos ensinar sobre as intenções das “boas intenções”). Uma das qualidades do filme é que não se mutila o conteúdo (vidas negras) para se encaixar na forma usual (cinema branco). Chega de mutilações.

Paradoxalmente, o diretor do filme é branco. Ele diz e repete isso em uma entrevista, e isso é algo que deve ser ressaltado, pois, em um estado de coisas no qual a ideia de mestiçagem brasileira faz acreditar que não existe racismo porque estaríamos todos misturados, é importante afirmar que estamos juntos, mas não misturados. Importante porque faz compreender que mesmo na periferia, na favela, existe uma linha traçada sobre a qual se pode ordenar: “branco sai, preto fica”.

Nacionalitário

Quanta perversidade e cinismo está presente na teoria da mestiçagem e no neonacionalismo que brota por aí. A nação Brasil se constrói sufocando as pessoas negras e periféricas, apagando suas singularidade em uma identidade nacional cujo branco bem nascido é o modelo, o privilegiado, e quando estas pessoas criam, suas criações são enfeites para caracterizar a identidade nacional. Não vai tardar para alguns encontrarem em “branco sai, preto fica” um filme genuínamente brasileiro, como o personagem de Chokito que “dá um jeitinho”, vai fazendo gambiarra, catando pernas mecânicas no ferro velho e etc… Clichês da nação. Não vai tardar para alguns dizerem que se trata de cinema Brasileiro. Os cineastas norte-americanos e europeus fazem Cinema, mas aqui, faz-se cinema brasileiro. Faz-se Cinema também aqui. Aqui significa: apesar do Brasil, a partir de uma geografia e de um território que não são nacionais, mas nacionalitários, como dizia um companheiro.

Nacionalitário são as singularidades abafadas e oprimidas pelo Estado-nação, pela subjetividade uniformizada da modernidade capitalista. Nacionalitário são as singularidades subsumidas na identidade da nação, muitas das vezes em guerra contra esta nação e contra esta uniformização. E que se afirmam e se constroem além das sínteses nacionais. A força política de toda Identidade, com I maiúsculo, é a de apagar as assimetrias e as relações de força que não param de acontecer nesta identidade. A identidade mestiça do brasileiro esconde estas relações entre brancos, negros e indíos, por exemplo, as assimetrias, as violências, as opressões, e todo processo forçado (de ontem e que se atualiza incessantemente hoje) para fazê-los caber na incabível identidade Brasil, na sua branquitude, normalidade… Estamos juntos e não misturados. E é possível estarmos aliados?

Perguntas que gostaríamos de fazer ao CEICINE

1- “Aqui é bom, mesmo sendo ruim, aqui é bom” (Dj Jamaika sobre Ceilândia – Rap, o canto da ceilândia). Como a contradição pode ser produtiva e positiva?

2- Gostamos muito de uma frase pronunciada pelo personagem de Dilmar Durães logo no início do filme Dias de Greve: “Conjuntura é seu rabo, zé”. Gostamos de pensar que o cinema pode ser uma maneira de ir contra a conjuntura, sempre uma merda. Ir contra e mostrar que podemos fazer outra coisa, mais alegre, que envolve uma resistência. Sentimos nos seus filmes, e em outros que gostamos, que o cinema nos mostra algo que conjuntura faz questão de abafar. Ele põe na tela, literalmente, para gente ver, sentir, pensar. O que você acha?

3- Ainda a partir dessa frase maravilhosa:“Conjuntura é seu rabo, zé” (Dias de greve), perguntamos: O cinema é sempre político, mas o que essa política produz?

4- Desculpe o tom “técnico” da questão, mas pensamos que não podemos deixar estas palavras e os conceitos mais abstratos serem mais uma das coisas que só a burguesia branca pode utilizar… Uma das coisas que nos chama muita atenção nos filmes é que a periferia não é apenas filmada. Parece que a própria periferia – e o seu modo de vida – impõe certos ritmos ao filme. Como o personagem de Marquim do Tropa (em Branco sai, preto fica) saindo do carro e subindo até sua casa. Um outro tipo de cinema, acreditamos, faria um corte aí. E só retornaria com ele já em sua casa. Mas vocês prosseguem. Ou então em A cidade é uma só?, quando quebra o carro de campanha. Depois, há um espaço da periferia que entra enquanto tal no filme, com Shockito andando no ferro velho, ocupando e fazendo viver um espaço destinado à coisas supostamente quebradas, velhas, que não prestam. Como pensam das pessoas da periferia? Se isso faz sentido, haveriam outros elementos que contaminam com traços propriamente da periferia, de Ceilândia, o que há de mais “cinematográfico”?

5- Da indenização (A cidade é uma só?) à vingança (Branco sai, preto fica)?

6- Por fim, perguntamos: Vocês no CEICINE pensam em como podemos arrancar as salas de cinema dos Shoppings, assistir filmes um pouco menos mainstreams, de outros circuitos, fazer da experiência coletiva de ver um filme algo menos caro, mais popular e mais popularizado?

Sobre veganismo, sacrifícios e racismo

Há muito a ser dito. Não nos estenderemos. E começaremos pelo que já foi dito.

Certa vez, um vegano conseguiu pronunciar o seguinte enunciado: “se eu visse um índio indo pescar, eu certamente me intrometeria e ensinaria que ele estava errado, dizendo que não se pode tratar os animais desta forma”. Em outra ocasião, no decorrer de uma manifestação pelos direitos dos animais, ao passar em frente um trabalhador que vendia cachorro-quente, uma vegana propos que a barraquinha do vendedor de cachorro-quente fosse destruída.

Longe de se tratar de algo individual, estes enunciados expressam com precisão uma força autoritária, reacionária e muitas das vezes fascistas que atravessam demasiadamente os movimentos (individuais e grupais) de vegetarianos e veganos. Mas por que? Uma militante do coletivo anarquista Crimethinc esboçou uma resposta: “Existem muitas pessoas reacionárias e mesmo fascistas que abandonaram outras lutas e se tornaram veganas e vegetarianas e começaram por lutar, apenas e contundentemente, pelos direitos dos animais. A razão disso? Essas pessoas tem poderes absolutos de representação dos seres (os animais) pelos quais, a princípio, elas lutam. Tal fato se dá pela dificuldade que os animais encontram em questionar seus auto-eleitos representantes”.

Ora, nesse exato momento, mais uma vez, retorna um refrão entoado frequentemente por veganos e vegetarianos que reforçam inteiramente o etnocídio do primeiro caso, o elitismo e o espírito de playboy do segundo caso e as razões políticas reacionárias e fascistas sabiamente explicitadas neste terceiro caso: a atual campanha de boicote, perseguição e destruição das religiões de matriz africana através da condenação e criminalização, especificamente, das práticas de sacrifício animal.

Nesse último caso, os etnocídios, o elitismo e o espírito de playboy bem como as bases políticas reacionárias se intercalam e se revezam com uma poderosa ação racista e classista. Trata-se de fazer coro à uma destruição e perseguição sistemática, de tempos, às religiões de matriz africana. Que, é fundamental lembrar, são espaços de sociabilidades e territórios existenciais – em sua grande maioria – do povo negro, dos pobres, periféricos, suburbanos e minorias de todo tipo. Assim, aliados ao que há de mais reacionário nas vertentes “evangélicas”, veganos e vegetarianos parecem não desconfiar, por um segundo, que o mar de boas intenções em proteger os animais possa estar completamente envenenado. E as razões são de várias ordens, falaremos de três: a primeira delas é que se trata de um ato extremamente vergonhoso buscar acionar a polícia (através da justiça) para constituir uma nova forma de criminalização de pessoas negras. E, sim, faz diferença essas pessoas serem negras. A vontade de igualar a todas as pessoas pelo “crime” (matar animais) quando na prática só um certo grupo específico (pessoas que fazem parte de religiões de matriz africana) sofre as consequências é só mais um exemplo do racismo à brasileira: aquele que diz não ver cor, mas que cisma em prender, ferir e matar pessoas negras. Se para os veganos e vegetarianos isto é motivo de comemoração, a presença da polícia proibindo e reprimindo as práticas das religiões de matriz africana são, para estas religiões, uma triste atualização, infelizmente sempre e diversificadamente presente, de uma história de repressão. Nesse momento parece que há uma modificação na velha e batida fórmula utilizada na divulgação dos direitos animais: ESPECISMO=RACISMO; para: ANTI-ESPECISTA=RACISTA.

Depois, mais especificamente, o sacrifício animal não pode e nem deve ser comparado ao modo como nossa sociedade trata os animais. Assim, “colocar nas costas” das religiões de matriz africana o peso da “crueldade” com os animais é um absurdo e só mostra a pobreza da política vegetariana e vegana em pensar as complexidades das relações entre humanos e não-humanos. Por sermos pessoas veganas, nós que escrevemos esse manifesto, não acreditamos que “tudo vale” na relação entre humanos e animais não-humanos, não apoiamos, por exemplo, a vivissecção, a indústria da carne e a caça esportiva, e quando se trata da política entre humanos, não apoiamos quando um certo grupo humano majoritário (branco e de classe média/alta – mesmo quando por vezes não se seja branco e de classe média/alta) diz-se portador da verdade e da moral e busca oprimir, mais uma vez, uma minoria. Tudo é política, e é fácil demais autonomizar do restante do campo político, e tornar principal e universal, uma fração escolhida por você; a vida é mais complexa do que isso.

Por fim, trata-se de pensar que o ato de ser vegano e vegetariano, talvez, precise estar atrelado a um processo de singularização. Nem universal, nem meramente particular/individual. Dito em outras palavras, não se trata de uma posição universalizável, que caiba a todas as pessoas em todos os lugares e a todo momento (e a todo custo!). E que, também, é necessário criar novas práticas de conexões (sem perder e, justamente, com a heterogeneidade) com grupos que também resistem e se singularizam, como as religiões de matriz africana. Caso se deseje fazer o veganismo e do vegetarianismo algo maior do que um novo estilo de consumo ou de boa consciência. E caso se deseje também, é claro, um mundo menos vergonhoso como este.

Como não se tornar racista e reacionário mesmo quando e, sobretudo quando, acredita-se ser um vegano ou vegetariano revolucionário? É essa toda a questão. Uma possível resposta: talvez seja encarando o veganismo e o vegetarianismo como práticas de resistências sempre locais e contextualizadas, não descolando tal luta de outras que lhes são transversais. O ponto principal não é a coerência, mas o relacional e contextual. Se há uma ecologia ambiental, da qual os direitos dos animais e a defesa da natureza fazem parte e são importantes, há também, e de suma importância, uma ecologia social, da qual as questões étnicas, raciais e econômicas, por exemplo, também são determinantes. E, não menos importante, há ainda uma ecologia mental ou subjetiva, ou seja, é preciso cuidar, analisar e estar sempre atento a este desejo fascista que fala através de nós, que mobilizam os nossos medos, nossos discursos e ações, que universalizam com sangue modos de vida e que não reconhecem diferenças como diferenças. Para esta última ecologia, a questão primordial a ser posta para os veganos e vegetarianos, tendo em vista o que se passa hoje, não pode ser outra senão esta: como não se tornar racista e reacionário mesmo quando e, sobretudo quando, acredita-se ser um vegano ou vegetariano revolucionário?